09 jan 10: entrevista com Abel Conceição sobre o fogo

Abel Augusto Conceição, nascido em São Paulo, mora em Lençóis desde 1995. É biólogo, especializado em botânica, professor da Universidade Federal de Feira de Santana e atualmente desenvolve a pesquisa de seu pós-doutorado sobre os efeitos do fogo no ecossistema do cerrado da Chapada Diamantina.

desenho: Túlio Tavares


Esta entrevista foi realizada pelo grupo Contrafilé e Olivia Taylor, representante da Brigada de Resgate Ambiental de Lençóis, com intenção de iniciar um “mapa de histórias e olhares sobre o fogo na Chapada Diamantina”, parte do projeto de educação ambiental da BRAL.



Você já tem algum resultado do seu estudo?


Por enquanto, o que a gente tem visto é que a regeneração é relativamente rápida aqui na Chapada Diamantina, porque tem um clima bastante favorável, muita chuva, sol, a vegetação se restabelece muito rápido e a maior parte dela é via rebrota. Mas é muito complexo, não dá para afirmar que o fogo é bom ou ruim, não existe este tipo de qualificação. Depende do caso, do tipo de ecossistema. Se existe uma floresta úmida, que não é um lugar que costuma pegar fogo, se passar o fogo nesse lugar vai se ruim, provavelmente, enquanto no cerrado, que é um ecossistema dependente do fogo, onde o fogo ocorre com uma certa freqüência, o fogo já é necessário, não pode ser suprimido, tem que existir o fogo de vez em quando, inclusive para controlar a biomassa seca, porque se ficar muitos anos sem queimar, o mato cresce, o acumulo de material seco vai ser tão grande que quando pegar fogo o dano para a vegetação vai ser também maior. Espécies que não morreriam se o fogo tivesse ocorrido antes, pode ser que morram.


Tem algumas vegetações próximas do cerrado que não dependem de fogo aqui na Chapada?


O cerrado é clássico na relação com o fogo, diversas espécies florescem depois do fogo, tem um domínio muito grande de gramíneas, uma família de plantas (poácea) que tem uma relação com fogo bastante forte. Em outros ecossistemas dependentes do fogo as poáceas são bastante dominantes. O cerrado e o campo rupestre são contíguos, existe uma transição de cerrado para o campo rupestre. No cerrado é comum pegar fogo e no campo rupestre também, na vegetação mais contínua. E não pega fogo nas rochas, por que na rocha não tem combustível e é onde ocorrem muitas espécies sensíveis ao fogo, várias espécies endêmicas estão na rocha. E elas acabam sobrevivendo, mesmo se o fogo passar ali, uma boa parte dos indivíduos fica protegida pela rocha. Tem as áreas de mata úmida, as matas de grotão, que é um ambiente bastante úmido, então o fogo não deve se alastrar muito também neste ambiente, por que não vai ter muito material seco. E nas florestas estacionais daqui a gente não sabe ainda como seria essa relação com o fogo. Na verdade é pouco estudado... Em geral os ambientes mais abertos são os mais resistentes ao fogo.


Os incêndios que vem acontecendo na Chapada são muito alem do que os ecossistemas agüentam?


Um dos objetivos do estudo é reconhecer isso. No cerrado, o que se tem visto é que a biomassa é restabelecida em três, quatro anos. Uma questão importante agora é em relação à emissão de carbono, tem toda uma história em relação à queimada, que libera muito CO2. O CO2 liberado durante uma queimada, cerca de dois anos, três anos, já é compensado, a própria vegetação assimila o tanto de carbono que foi liberado. Então em três anos teria um equilíbrio em relação ao carbono liberado e o assimilado pelas plantas.


E isso depende de algumas vegetações especificas?


Sim, com certeza, vai depender do tipo de vegetação. Isso que eu estou falando é em relação ao cerrado estrito senso, meio termo entre o arbóreo e o campestre.


E como é o fogo na mata ciliar?


Em geral, se as arvores são muito altas, a chance delas escaparem da morte é maior. Tem vários tipos de fogo, de superfície, de copa... mas se as árvores forem espaçadas, como é no cerrado, e altas, não sofrem muito, por que as cascas são bem grossas, tem proteção contra o fogo, que é de superfície no cerrado. Agora, na mata, que tem espécies que já não são adaptadas contra o fogo, não tem casca grossa, o dano pode ser bem grande. Mas sempre o tipo de efeito na vegetação depende da intensidade do fogo, são muitas variáveis, a umidade relativa do ar, a velocidade do vento... é difícil prever o prejuízo, vai depender. E um dos fatores principais é a quanto tempo está sem fogo o lugar, isso vai ter relação com a quantidade de biomassa acumulada. O que pega fogo é a biomassa acumulada, e a parte combustível, que pega fogo de fato, é galho fino e capim, galho grosso não incendeia, acaba não pegando fogo. Se tiver muito capim e galho fino, aí o fogo vai ser bem mais forte, com o vento e tudo...


Quais são os tipos de incêndios naturais?


Dos incêndios naturais, o mais comum é o raio, que é universal, e aqui na Chapada a gente tem o incêndio de rolamento de pedra, de deslizamento de bloco de rocha, que com o atrito pode iniciar um incêndio forte, se tiver muito tempo sem pegar fogo, umidade relativa do ar muito seca, aí pode ser um fogo violento.


E o fogo sobre a água no Marimbus?


Seria importante estudar o fogo nesses meios pantanosos, é interessante... na Flórida acho que também tem bastante, por causa dos pântanos. Aqui, em especial, a gente tem o papírus, que deve ser o que pega fogo, que não é nem daqui do Brasil, é uma planta introduzida.


E o candombá, que é uma planta usada para acender fogo no fogão a lenha?


O candombá é uma espécie interessante, eu fiz mestrado e doutorado aqui, andava muito na serra, e nunca tinha visto florido o candombá. Só vi uma vez, em 1999, indo para a cachoeira da Fumaça, tinha pegado fogo e floresceu tudo. A gente subia a trilha e do lado esquerdo da trilha tinha pegado fogo e do lado direito não, provavelmente eles combateram o fogo na trilha. Do lado que pegou fogo estavam todos os indivíduos floridos e do lado direito não tinha nem uma flor. Isso era uma evidencia direta, pegou fogo, floresceu; não pegou fogo, não floresceu. Depois, em 2008, pegou fogo no Morrão, e como eu sabia que tinha muito candombá lá, eu fui estudar, marquei a população que pegou fogo, fui na população da Fumaça, que tinha florescido em 1999, usei como controle, e só deu flor na população que pegou fogo, não existiu flor na população que não pegou fogo. Então é uma planta praticamente dependente do fogo. Pode ter uma florzinha ou outra sem fogo, mas a quantidade de flor que acontece depois do fogo é impressionante, a serra inteira fica lilás. E o candombá, onde ele ocorre, ele ocorre muito, a densidade dele é super alta. O candombá é o nome popular e tem algumas espécies muito parecidas, então as pessoas não sabem, confundem um pouco. O interessante do candombá é que ela pega fogo, é usada para acender fogo e floresce com fogo. E é uma planta endêmica daqui, só tem na Chapada, com uma distribuição muito pequena mas em uma intensidade altíssima. Agora, se não pegar fogo nunca mais, provavelmente não vai florescer, não vai dar mais semente e aí a população se extingue. A não ser que tenham outros eventos que estimulem a floração, mas eu não sei o que poderia ser, naturalmente, sem ser o fogo. São poucas as espécies relatadas na literatura que florescem com o fogo, não é tão comum, mas existem.


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